6 de jan. de 2010

A Oratória do presidente Lula

Gostando ou não de política, ou dos resultados da nossa política hoje, não podemos discutir que entre as qualidades do presidente está a oratória.

Neste artigo do site Congresso em Foco, dois articulistas discutem a naturalidade do presidente Lula ao falar em público:



Sem meias barganhas, mas com artimanhas

Renata Camargo*

Em pesquisa no Google para localizar materiais sobre a COP 15, encontrei a íntegra do último discurso de Lula em Copenhague no blog Vi o mundo, do Luiz Carlos Azenha, e decidi ler os comentários dos leitores. Parti então para outras páginas, como o blog do Luis Nassif, site do Greenpeace, site da Miriam Leitão e seus leitores. Pesquisa interessante.

A partir daí foi possível perceber os contornos do discurso de Lula. É com Fernando, um leitor do blog do Azenha, que postou às 10h41 do dia 19/12, que compartilho parte das minhas considerações em relação ao discurso do Lula. Fernando escreveu:

"Os discursos do Lula são bons mesmo.

Claro que o governo dele vai entrar pra história como o pior da área ambiental, desmontando o Ibama, flexibilizando as leis, destruindo tudo com o PAC, liberando os transgênicos e etc.

Mas o discurso foi sensacional".

Os discursos de nosso presidente nem sempre são tão bons assim. Lula dá umas várias mancadas em seus improvisos como dizer: “Eu quero tirar o povo da merda”. Não tenho problemas com palavrões. Mas acho que nenhum povo se sente confortável de ouvir que está “na merda”. Então aquilo não foi espontaneidade, foi estupidez.

Fora isso, concordo com o leitor Fernando quando ele diz que o governo Lula “vai entrar para a história como o pior da área ambiental”. O governo petista conseguiu superar no Executivo e no Congresso em muito o governo tucano em termos de políticas ambientais. Não coloco em xeque a questão partidária e longe de achar que os tucanos têm uma visão ambiental mais apurada. Mas, na atual conjuntura, onde o consciente ecológico cresce, o governo Lula escorregou feio. Desnecessário.

Ainda assim, o discurso de Lula na COP 15 foi positivo. Foi bom, primeiro, porque quem estava representado no discurso não era a figura do presidente Lula ganhador do troféu abacaxi (ou troféu motosserra, cupim ou outras sugestões bem-vindas...). Quem discursava era o estadista brasileiro, chefe do país que possui a maior parte da Floresta Amazônica. Era essa a imagem representada naquele momento.

Então Lula usou o dom do improviso, subiu o tom e deu alfinetadas importantes. Deu nó na gargande de críticos ambientais ferrenhos de sua política e em formadores de opinião que não simpatizam nada com o presidente barbudo. Pegou o povo de surpresa. Miriam Leitão não demonstrou muito apreço. Mas, nos bastidores, ela certamente deve ter ficado orgulhosa de ser brasileira.

Segundo, foi bom porque aquele discurso não ficou só no global warming – teoria duvidosa repetida como um mantra. Foi um discurso com sensibilidade. Atingiu a questão do clima, o econômico, o social, o racial, o estrutural e a complexa teia das relações humanas e de poder entre indivíduos e entre nações. Lula – talvez pelo sábio que ele esperava que lá baixasse – pareceu compreender a dimensão sistêmica do problema e traduziu isso para um linguagem direta.

Ele foi aplaudido efusivamente ao apontar o dedo para os chefes de países ricos e dizer que o dinheiro que vai ser colocado na mesa é o pagamento pela emissão de gases de quem teve o privilégio de se industrializar primeiro. “A questão não é apenas dinheiro”, disse Lula, “e não pensemos que estamos dando uma esmola”.

E foi aplaudido mais uma vez ao ressaltar que o debate na conferência não era apenas “a questão do clima”, era para “discutir desenvolvimento e oportunidades para todos os países”. Na quebra de protocolo, Lula anunciou que “o Brasil está disposto a colocar dinheiro também para ajudar os outros países” e enfatizou que ainda não havia dito isso a seu Congresso. Certamente Obama – que se escondeu atrás do Congresso americano – ouviu os aplausos a Lula.

“Se a gente não conseguiu fazer até agora esse documento, eu não sei se algum anjo ou algum sábio descerá neste plenário e irá colocar na nossa cabeça a inteligência que nos faltou até a hora de agora. Não sei”, disse Lula. E os lamentos renderam a quarta salva de palmas.

Terminou seu discurso dizendo que “o Brasil não veio barganhar” e que “as nossas metas não precisam de dinheiro externo”. E, ao final, uma choradinha: “Nós passamos um século sem crescer, enquanto outros cresciam muito. Agora que nós começamos a crescer, não é justo que voltemos a fazer sacrifício”. E mais aplausos.

Lula conseguiu resumir objetivamente que a desigualdade estabelecida entre as nações existe não, simplesmente, porque uns são melhores e mais eficientes que outros. E sim, muito, por causa de toda uma estrutura de dominação. Além dos reflexos internacionais, Lula conseguiu com seu discurso uma proeza nacional: "uniu" ruralistas, ambientalistas, mineradores, preservacionistas, Casa Civil, Ministério do Meio Ambiente.

Nãé segredo que Lula é dotado do dom da oratória. Independentemente de gostar ou não dele, é preciso reconhecer que essa é uma característica que o leva a ter altos índices de popularidade. Ao falar em Copenhague, Lula saiu do discurso “tecnicamente bom, mas politicamente morno” para um discurso “sem meias palavras”, nas palavras do Greenpeace.

Lula foi, sobretudo, BRASILEIRO, com todas as qualidades e defeitos que ser um brasileiro carrega. Agora resta esperar que Lula incorpore seu discurso em sua política de governo. E não faça como muitos maus brasileiros que são muitos efusivos com promessas, mas cumprir que é bom...

Um leitor deste site que assina ‘cidadao brasileiro’ postou um comentário interessante às 9h27 do dia 19/12 na matéria Lula se diz “um pouco frustrado” com Copenhague. Ele questiona se o presidente Lula não está levantando essa bandeira ambiental de olho nas eleições 2010. E lembrou que o Lula do discurso é o mesmo Lula que pede “para anistiar todos os que teriam que pagar multas por desmatamento”. Muito oportuna as colocações e a resposta vem da própria concorrência.

Cop 15 - Esperança para o mundo ou palanque eleitoral

Para terminar, deixo aqui a opinião enfática de um filósofo que muito considero, Leonardo Boff. Por e-mail, recebi seu artigo “É a treva”, em que descreve o fracasso de Copenhague. Em resposta, me solidarizei a ele e aproveitei para questioná-lo em relação ao discurso de seu amigo Lula. Na resposta, Boff foi direto.

“Fiquei impressionadíssimo com o improviso de Lula. Ele rompeu o protocolo e se encheu de indignação profética, denunciando a má vontade e a falta de cooperação e de solidariedade dos ricos. Falou a verdade, coisa que a maioria não faz. Mente e sabe que mente e tudo continua como se nada houvesse. Não foi retórica o que Lula disse: foi uma queixa dolorosa e um gesto de cooperação e solidariedade para com os mais pobres”.

Assim esperamos.


*Formada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), Renata Camargo é especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Já atuou como repórter nos jornais Correio Braziliense, CorreioWeb e Jornal do Brasil e como assessora de imprensa na Universidade de Brasília e Embaixada da Venezuela. Trabalha no Congresso em Foco desde 2008.

http://congressoemfoco.ig.com.br/coluna.asp?cod_canal=14&cod_publicacao=31284

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